O PROBLEMA DA CONTINÊNCIA MILITAR: O SUPERIOR QUE NÃO A RESPONDE AO SUBORDINADO TRANSGRIDE A DISCIPLINA

O movimento de continência é a forma de cumprimento pela qual os militares se saúdam mutuamente. Porém, a forma como esse cumprimento se dá possui algumas especificidades que devem ser observadas.


Antes de tudo, é importante ressaltar que existe um Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas (Portaria Normativa n. 660/MD, de 19 de maio de 2009), no qual se detalha as peculiaridades acerca da continência e afins.


No Capítulo III do Título II do referido Regulamento se trata especificamente da continência militar. No parágrafo 1° do artigo 14 se estabelece que a continência é impessoal, visando a autoridade e não a pessoa. Isto se dá para que a disciplina possa ser preservada, acima de qualquer questão pessoal que se possa ter com a pessoa do superior hierárquico a quem a continência é devida.


Já no parágrafo 3º do mencionado artigo 14, se estabelece como obrigação de todo militar retribuir a continência que lhe é prestada. Não é deixada qualquer margem para se entender a retribuição ao cumprimento da continência como algo facultativo, sendo evidentemente taxativa sua obrigatoriedade.


Assim, chega-se a um problema muito grave, porém corriqueiro na rotina castrense, que se evidencia na não retribuição por parte dos superiores hierárquicos às continências que lhes são prestadas por seus subordinados.


Desta feita, se verifica que os referidos superiores hierárquicos desobedecem expressamente a um comando legal nítido, que envolve uma situação caríssima aos fundamentos de hierarquia e disciplina das instituições militares, bem como de camaradagem para com seu subordinado, uma vez que não se dispõem a nem mesmo retribuir um cumprimento que evidencia, antes de tudo, o mínimo de educação cívica e de respeito entre seres humanos que partilham uma vida em sociedade.


E quem conhece a rotina militar em sua prática cotidiana sabe que a continência é objeto de cobrança excessiva por parte dos superiores hierárquicos que a desejam receber do subordinado. O camarada pode passar diversas vezes durante o dia por seu superior e prestar a devida continência em quase todas elas, e esquecer apenas uma única vez, para ser chamado a atenção em relação à falta do respectivo cumprimento militar.


Porém, no que concerne à obrigatória resposta ao cumprimento militar por parte do superior hierárquico, o subordinado não pode a cobrar, uma vez que este não pode realizar qualquer questionamento em relação às condutas do militar mais antigo, ainda que tais comportamentos sejam expressamente inadequados ou resultados de transgressões disciplinares.


Deste modo, acaba sendo quase que regra o descumprimento à obrigação de retribuir a continência, e infelizmente nada acaba sendo feito nesse sentido, para que o camarada que descumpre com seu dever militar seja repreendido, no mínimo, pela conduta inadequada.


Em razão da falta de conhecimento prático acerca do assunto, muitos podem enxergar o problema como algo de pequena relevância, porém, no âmbito militar, a continência é um importante sinal de respeito entre os profissionais que atuam nesse contexto. E tal respeito não está apenas no fato de o mais moderno ter que prestar a continência ao mais antigo, mas também está na obrigação legal de o mais antigo retribuí-la ao subordinado.


E, como citado, a falta do cumprimento por meio da continência acabará prejudicando apenas o militar mais moderno nessa sistemática. Assim, se o militar mais antigo tem por opção, como regra, não prestar a continência de volta ao militar que a presta primeiro, deveria se abandonar esse hábito, já que para o próprio superior hierárquico, que é o responsável por fazer constar tais costumes nas normas militares, muitas das vezes, o cumprimento mútuo parece não possuir grande valor.


Vale lembrar, ainda, que a falta da retribuição da continência não é apenas moralmente errada, mas também se configura como uma transgressão disciplinar. No número 9 do Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército é previsto como transgressão o militar “deixar de cumprir prescrições expressamente estabelecidas no Estatuto dos Militares ou em outras leis e regulamentos, desde que não haja tipificação como crime ou contravenção penal, cuja violação afete os preceitos da hierarquia e disciplina, a ética militar, a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe”.


Assim, resta patente que o superior hierárquico ao não responder o cumprimento de continência incorre em nítida transgressão disciplinar, uma vez que esse descumpre com uma previsão normativa expressamente estabelecida em regulamento militar.


Desta feita, resta evidente que um costume tão antigo no âmbito castrense e devidamente capitulado em regulamento militar é levado a sério apenas pelos militares que se encontram na linha de subordinação perante a um superior hierárquico, mas não pelos referidos superiores, que ignoram sua obrigação de retribuir a continência, o que os fazem incorrer em uma conduta transgressora da disciplina.

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