A ASSISTÊNCIA MÉDICA NO EXÉRCITO E O ABISMO ENTRE O TRATAMENTO DE MILITARES DE CARREIRA E TEMPORÁRIOS
É sabido que, pela própria disposição hierárquica que fundamenta as instituições militares, há um abismo natural que separa oficiais e praças, e também, de uma forma mais específica e não tão natural assim, militares de carreira e temporários.
No que concerne à assistência médica no âmbito do Exército Brasileiro, não é diferente. Há um nítido abismo que separa a forma de tratamento recebida por militares de carreira e temporários.
Neste sentido, é importante iniciar a presente explanação discorrendo a respeito do que a Lei n. 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar) apresenta acerca da matéria. Em seu art. 31, parágrafo 2°, alínea a, a referida Lei determina que o serviço ativo das Forças Armadas será interrompido para os militares temporários, na modalidade de desincorporação, quando o incorporado vier a faltar ao serviço durante 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, em razão de moléstia. Daí já se vê que para a referida categoria não há qualquer amparo que a resguarde em casos de situações de afastamento mais graves, tendo em vista não ser possível obter a plena recuperação destas no ínfimo período de 90 (noventa) dias. Importante destacar, ainda, que o referido afastamento pelo citado período é, inclusive, fundamentado em recomendação médica, submetida a todo o procedimento de ratificação da necessidade constante das Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército (EB30-N-20.008), e mesmo assim não se tem previsão para manutenção do período de recuperação com amparo ao militar afetado superior a 90 (noventa) dias.
Faz-se de fundamental importância apontar, também, a forma como se dá a licença médica de militares temporários, o que acaba refletindo diretamente na ponderação acerca dos 90 (noventa) dias como limite para o afastamento destes. O que acontece é que não há nenhuma previsão normativa que preveja a possibilidade de se atestar uma aptidão para o serviço do Exército com recomendações, havendo, muito pelo contrário, é expressa vedação a tal prática, que se encontra capitulada na alínea i do item 13.6.1.5 da NTPMEx, sob o argumento de que os referidos militares devem dedicar-se inteiramente a seu tratamento, a fim de recuperar sua plena capacidade.
Olhando inicialmente para tal disposição, é de se pensar que a instituição esteja buscando preservar ao máximo seu militar, para que ele retorne absolutamente recuperado e possa seguir normalmente com sua rotina de serviço. Porém, verifica-se por conseguinte que não é bem assim, já que se o militar temporário atingir o período máximo para sua recuperação, ele será simplesmente desincorporado, ficando totalmente no prejuízo tanto ele quanto a instituição, uma vez que o militar fica imensamente desamparado e a instituição perde um recurso humano que já se encontra totalmente formado, adestrado e em condições de trabalho.
Nesta direção, é inevitável não pensar sobre o porquê de a instituição militar se comportar de tal maneira, tendo em vista que esta também perde na situação. E isso porque é de extenso conhecimento de todos que um dos pilares da Administração Pública é o princípio da eficiência, que se encontra capitulado no art. 37 da Constituição Federal, e que, por decorrência óbvia da própria definição da palavra, prevê que a Administração deve buscar ao máximo o melhor uso dos recursos que estão a sua disposição para entregar o melhor resultado possível dentro daquilo que dela se espera.
Assim, seria muito mais interessante para a instituição garantir que o militar temporário, que esteja necessitando de algum tipo de afastamento de situações pontuais da atividade que desempenha, fosse designado como apto com recomendações igualmente pontuais de afastamento de algumas modalidades de serviço, já que em boa parte das vezes, para quem conhece a prática cotidiana, o respectivo militar consegue realizar praticamente todas as atividades que realizava antes da moléstia. Assim, a título de exemplo, se o militar temporário tiver sofrido uma fratura leve em um de seus dedos, que lhe exija apenas a imobilização de tal dedo, e esperava-se do mesmo que este desempenhasse funções administrativas de protocolamento de documentos e afins, realização de treinamento físico militar e que estivesse disponível para o serviço de escala, sendo que a atividade rotineira mais importante que dele se esperava era a administrativa, poder-se-ia basicamente recomendar que o mesmo estaria apto para o desempenho de sua função principal, porém não seria conveniente que este realizasse treinamento físico nem tirasse serviços de escala, prezando por sua recuperação. Deste modo tanto a Administração Pública se beneficiaria quanto o próprio militar.
Também no que concerne à continuidade no serviço após os 89 (oitenta e nove) dias máximos para recuperação, seria bem mais interessante para a instituição que o militar pudesse voltar, já que presume-se que este já estava habituado com a atividade que anteriormente desempenhava e já havia sido devidamente formado e adestrado, assim evitando ter que suprir sua vaga com a realização da seleção, formação e adestramento de um novo militar.
Já no que concerne aos militares de carreira, tem-se que para estes o amparo normativo a sua recuperação é o completo inverso do amparo aos temporários, já que estes podem ficar afastados por muito mais tempo, o que se configura em um período de 36 (trinta e seis) meses contínuos, conforme previsto na alínea e do item 12.1.3 da NTPMEx, e podem, também, ser considerados aptos para o Serviço do Exército, com recomendações, conforme consta do disposto na alínea b do item 4.4.3.2 da NTPMEx.
Assim, conclui-se pela constatação inequívoca de que há um gigantesco abismo que separa as formas de tratamento conferidas a militares de carreira e temporários, tendo em vista que para os primeiros há imensa previsão normativa para a devida prestação de assistência médica, enquanto que para militares temporários o que se vê é o completo contrário, uma vez que o suporte que lhes é oferecido é frágil, limitado e com prazo de validade.
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