A INJUSTIÇA NA IDENTIFICAÇÃO MILITAR DE CABOS E SOLDADOS NO EXÉRCITO BRASILEIRO: ENTENDA O QUE A LEI DIZ ACERCA DA MATÉRIA
A temática da identificação militar no âmbito do Exército Brasileiro para cabos e soldados é, sem dúvida alguma, uma questão que necessita de intensa explanação a respeito, tendo em vista o absurdo que é verificar o que a lei diz acerca da matéria e o que portarias internas da Força abordam em contrapartida.
Primeiramente, faz-se de fundamental importância destacar que no âmbito legal, as questões que envolvem o tema em epígrafe são abordadas, em caráter inicial, por uma lei editada ainda no início do século passado, qual seja a Lei n. 3.089, de 08 de janeiro de 1916. Ela é bem sucinta ao abordar o tema identificação militar, ao estabelecer em seu art. 67 a criação do Gabinete de Identificação de Guerra e os requisitos para designação de sua direção e afins. Na mesma toada, o Decreto n. 3.985, de 31 de dezembro de 1919, surge para regulamentar, em caráter mais específico, aquelas que seriam as atribuições do Gabinete de Identificação de Guerra, que seriam basicamente a emissão de carteiras de identidade para oficiais, praças e reservistas, e, ainda, o detalhamento do serviço de identificação criminal militar. Ainda nesta direção, o Decreto n. 34.155, de 12 de outubro de 1956, também foi editado com disposições básicas acerca da temática da identificação militar, que se resumiam a destacar que os documentos que seriam emitidos por meio de tal serviço eram dotados de fé pública em todo o território nacional. Com a mesma finalidade do anterior, o Decreto n. 93.703, de 11 de dezembro de 1986, tratava da atribuição de fé pública para as identificações militares da Marinha.
Após a edição das mencionadas normas, a próxima na linha sequencial que surgiu para abordar o tema foi o Decreto n. 8.518, de 18 de setembro de 2015, que dispunha acerca da identificação militar no âmbito das Forças Armadas de forma a especificar os documentos com os quais se deveria identificar os militares. Foi aí que se detalhou o que seria a carteira de identidade de militar das FFAA, o documento de identificação de seus dependentes e pensionistas e o documento de identificação dos integrantes da Marinha Mercante.
No tocante exatamente ao supramencionado Decreto, é de imensurável relevância destacar que este garante de forma inexorável, em seu art. 4°, o direito ao modelo específico da carteira de identidade militar para todos os militares das FFAA ativos, sem fazer nenhuma distinção entre estes que se paute em postos e graduações, muito pelo contrário, sendo bem genérico ao determinar a garantia do mencionado direito para todos estes.
Sendo ainda mais específico, o parágrafo 1° do mencionado art. 4° ainda aborda, no tocante às praças temporárias, que esta categoria terá direito à respectiva carteira de identidade militar enquanto estiver na ativa.
Importante destacar, ainda, que a única exceção abordada quanto ao direito para todos os militares à obtenção da carteira de identidade militar, capitulada no parágrafo 2° do já citado art. 4°, é em relação aos marinheiros e soldados durante o serviço militar inicial, que é uma situação completamente diferenciada e excepcional.
No supracitado Decreto se encerra a abordagem das normas de caráter primário que disciplinam a matéria da identificação militar. Resta bem nítido que o direito à carteira de identidade militar, com fé pública em todo o território nacional, é direito líquido e certo de todos os militares das FFAA na ativa, sem qualquer distinção que se baseie em postos e graduações, comportando apenas a exceção do serviço militar obrigatório.
Assim, terminada a abordagem do fundamento base do direito em comento, parte-se, agora, para a análise das portarias do Ministério da Defesa e do Exército Brasileiro que disciplinam a matéria.
Neste sentido, faz-se de fundamental importância destacar a Portaria Normativa n. 82/GM-MD, de 1º de setembro de 2020, que também garante, de maneira ampla, em seu art. 2 º, o direito à carteira de identidade militar para todos os militares, sendo bem clara, inclusive, no tocante ao mencionado direito para militares temporários enquanto estiverem na ativa. A mencionada Portaria, quando de sua entrada em vigor, revogou a Portaria Normativa n. 4/ GAP/ MD, de 12 de janeiro de 2016, que também era claríssima quanto ao direito inequívoco conferido a todos os militares de terem acesso à carteira de identidade militar, tendo em vista que seu art. 2 º possuía redação praticamente idêntica a da Portaria em vigor.
Até aí vemos como o direito destacado possui amplo amparo em todos os mencionados mecanismos normativos. Assim, partir-se-á, agora, para a explanação acerca das portarias internas do Exército Brasileiro, que foram responsáveis, data venia, de forma completamente ilegal, por retirar o mencionado direito à carteira de identidade militar para cabos e soldados.
Neste sentido, primeiramente se faz menção à Portaria nº 148-DGP, de 16 de julho de 2014, que foi a responsável, de forma direta, por estabelecer a vedação ao acesso à carteira de identidade militar para cabos e soldados, conforme se verifica da redação do parágrafo 2º de seu art. 1º.
Por conseguinte, foi editada a Portaria nº 296-DGP, de 14 de dezembro de 2016, que diferentemente da anterior, trazia em sua redação a expressa possibilidade de acesso à carteira de identidade militar por cabos e soldados, conforme verifica-se do constante do art. 37. O problema que ocorre especificamente no tocante à referida portaria, diz respeito à forma como tal direito é estabelecido, pois deixa margem para a impossibilidade de implementação em razão de eventual inércia dos que venham a estar como responsáveis por tal obrigação, tendo em vista não ter se estabelecido um prazo para que se implemente o serviço de maneira vinculante.
A partir da questão anteriormente abordada, da falta de prazo para implementação do serviço, é importante traçar um comparativo com o que veio a prever o parágrafo 2 º do art. 3 º da Portaria Normativa n. 82-GM-MD, de 1º de setembro de 2020, que determinou que se passasse a emitir o cartão militar de identificação para oficiais da reserva não remunerada a partir de 15 de outubro de 2020.
De tal situação, é possível observar duas questões importantes: primeiro, que oficiais da RESERVA não remunerada (R/2) têm direito à emissão do cartão militar de identificação com fé pública, e o cabo e o soldado, enquanto militares da ATIVA, na prática adotada internamente no Exército Brasileiro, não o têm, o que nos provoca profundas reflexões em relação ao porquê; em segundo plano, verifica-se que para os ditos oficiais R/2 estabeleceu-se um curtíssimo prazo para implementação do mencionado direito que lhes foi conferido, sendo a Portaria de 1º de setembro de 2020 e a data para a já emissão dos cartões em 15 de outubro de 2020, ou seja, menos de 2 meses entre um e outro, e, em comparação com a situação do mesmo direito para cabos e soldados da ATIVA, que possuem seu respectivo direito ao correspondente documento de identificação militar igualmente previsto desde 2016, até os dias de hoje, em 2021, não têm acesso a materialização do mesmo, o que também nos provoca profunda reflexão.
Retornando às menções às portarias do Exército Brasileiro, fala-se agora da Portaria - DSM/DGP/C Ex n. 232, de 23 de outubro de 2020, que é a que se encontra atualmente em vigor. Esta, igualmente a sua antecessora e quiçá de forma até mais abrangente, também garante aos cabos e soldados inequívoco direito à carteira de identidade militar, conforme consta de seu art. 38, que expressamente prevê a implementação do acesso à carteira de identidade de militar em policarbonato para a referida categoria, e que, ainda, prevê a possibilidade de requisição da carteira de identidade de militar em papel moeda, conforme consta das disposições veiculadas em seu anexo G.
Por fim, verifica-se que em termos normativos, existem amplas garantias de acesso à carteira de identidade militar para cabos e soldados, porém, o que também se verifica, é que internamente, no âmbito do Exército Brasileiro, há imensa morosidade em relação à implementação de tal direito, por motivos não definidos e tão pouco justificados, e que, de toda forma, estariam em completa incongruência frente às normas que disciplinam a matéria, pois o direito em epígrafe é líquido, certo e nitidamente inequívoco.
Comentários
Postar um comentário