COMANDANTE-GERAL DA PMDF FURA A FILA DA VACINAÇÃO - ANÁLISE JURÍDICA E MORAL DO CASO

Na tarde do dia 31 de março do presente ano, o Comandante-Geral da PMDF, Coronel Julian Rocha Pontes, se vacinou no Distrito Federal, aproveitando-se da possibilidade gerada para aplicação da vacina em profissionais da segurança pública, em razão de doses remanescentes no Distrito Federal.


O que acontece é que ao especificar os critérios para aplicação das referidas doses, a Secretaria de Saúde do DF delimitou que estas deveriam ser destinadas aos integrantes da segurança pública que trabalham no auxílio direto ao combate do coronavírus, conforme consta da Circular n. 67-2021 da SES-DF. A seguir, a literalidade do que ali se encontra em relação ao tema:


"O uso das doses remanescentes de vacina contra Covid-19 nos profissionais das forças de Segurança Pública do Distrito Federal, que exercem atividades de rua, que prestam serviços essenciais de excelência neste momento de enfrentamento à Covid-19, com apoio nas fiscalizações diuturnamente no combate às aglomerações, nas distribuições e escoltas das vacinas, na segurança e manutenção da ordem nos postos de vacinas, na organização dos trânsitos dos drives, nos atendimentos pré-hospitalares, dentre outras ações, para aqueles que estejam em serviço, prestando apoio na segurança local nos minutos finais que antecedam o término das atividades de todos os postos de vacinas contra Covid-19, seguindo sempre a ordem de prioridade por idade desses profissionais".


Do que consta da documentação mencionada, se verifica claramente que não há qualquer possibilidade de aplicação da vacina prevista para oficial integrante do alto escalão da corporação, uma vez que o intuito do documento é estabelecer como prioridade o fato de se trabalhar em contato direto com o vírus, na linha de frente, o que não é o caso de um Comandante-Geral.


Desta feita, fica nítido que a prioridade era para as praças da corporação, que são, basicamente, quem trabalha nas ruas, no policiamento ostensivo, e no contexto de auxílio ao combate do coronavírus, realizando as fiscalizações necessárias, as escoltas das vacinas e afins.


Verificado o fato de que as praças da PMDF ficaram prejudicadas diante do mau exemplo de seu Comandante-Geral, nos deparamos com um dos grandes problemas que costumam recair sobre as instituições militares, nas quais, por vezes, não se dá a devida atenção para as praças, que ficam à mercê de decisões que não podem ser questionadas diretamente. Assim, mesmo em uma situação como essa, em que resta claríssimo o direito destinado exclusivamente à referida categoria, e se ter o comando, representado por um oficial superior na função de Comandante-Geral, decidindo passar à frente daqueles que são os destinatários legais do direito, é muito complicado de se questionar, porque, por mais óbvia que seja a inadequação da conduta do Comandante, as praças não podem questioná-la, nem mesmo de forma construtiva, a fim de evitarem problemas maiores para si.


Porém, o problema não se encontra diretamente ligado ao fato do sistema hierárquico inibir um questionamento direto de um subordinado diante de seu superior hierárquico, tendo em vista que a instituição se fundamenta em pilares de hierarquia e disciplina. Porém, no tocante à referida questão da indagação acerca de decisões inadequadas oriundas do comando, o problema se encontra na fragilidade dos mecanismos formais de questionamento, que muitas das vezes não são efetivos na prática e podem gerar mais malefícios que benefícios para o militar responsável pela ponderação, já que este muito provavelmente não terá seu questionamento atendido e poderá, ainda, sofrer eventual perseguição.


E neste contexto se verifica também uma situação que macula a figura do comando, que é a falta de bom exemplo. Se ter um Comandante-Geral de uma corporação militar descumprindo uma norma claríssima, em prejuízo de seus subordinados que necessitam muito mais do direito ali garantido, é de uma gravidade tamanha para uma instituição militar, já que um dos princípios que a fundamentam é a liderança. E a liderança, principalmente no militarismo, não se define apenas como estar à frente de um grupo de pessoas, mas sim em estar junto na missão, enquanto um guia, no sentido de que este é o responsável pelo comando, mas, fora isso, em nada mais se difere daqueles que estão sob sua autoridade, passando a mensagem de camaradagem e espírito de corpo.


Quanto à decisão de se furar uma fila em um contexto como esse, é possível se verificar que além de ela ser absolutamente incompatível com a norma, ela é, também, completamente imoral, uma vez que se aproveitar da condição de ser parte de uma categoria para a qual é previsto um direito, mas não se enquadrar nos requisitos internos para a concessão do mesmo aos integrantes da referida categoria, é de uma falta de bom senso tamanha, no mínimo. 


E em razão do contexto catastrófico causado pela pandemia do coronavírus, já se verifica o quão grave é o indivíduo que não tem o direito à vacinação que o protege contra o mencionado vírus passar à frente de outro que a ele faz jus, pois é uma situação que lida diretamente com a saúde e a vida das pessoas. E indo além, o que torna tudo isso ainda pior, é o fato de que policiais militares da corporação do Distrito Federal estão de fato morrendo em decorrência do vírus em comento. Segundo reportagem do Metrópoles, ao menos 40 policiais militares morreram desde o início da pandemia em decorrência da COVID-19, sendo a maioria deles, praças. E as praças da PM-DF estão atualmente em uma média de 8.000 (oito mil) militares, segundo a reportagem anteriormente citada, o que nos dá uma noção do quão gravoso é furar uma fila onde se tem milhares de militares na sua frente.


De todo o exposto, fica evidente a gravidade, em diversos sentidos, constante da conduta do Comandante-Geral da PM-DF, Coronel Julian Rocha Pontes. Passar à frente de militares que fazem jus à vacinação e que estão sob seu comando, ainda por cima, é de uma falta de sensibilidade tamanha e, também, de espírito de liderança. É uma atitude que além de ser normativamente incompatível com o previsto, é também imensamente imoral.


Para servir como pequeno reparo diante da conduta reprovável do Comandante-Geral, o Governador do Distrito Federal o exonerou do cargo no dia 02 de abril de 2021, o que não devolve a dose utilizada irregularmente por ele, mas passa uma mensagem de que para liderar é preciso abdicar de si mesmo por muitas das vezes, e quem não está preparado para fazer isso, não pode ocupar uma expressiva função de comando como a em epígrafe.

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